18 março 2013

Exorcismo no divã: Erros inconscientes.

Nunca fui uma menininha meiga, daquelas que têm várias amiguinhas e brincam juntas com suas bonecas fofas. Na minha infância, tive mais amiguinhos meninos e brincávamos de carrinho, coisas nada cute - típicas daquela fase onde menina não pode nem ver um menino por perto (e vice versa) que já quer brigar.

Não sei, tinha a impressão de que as gurias não gostavam de mim. Sabe-se lá o porquê! Me lembro de que na escola, a única menina com quem eu me dava bem (aprontávamos um monte) era mais moleque do que "menininha fofa-comportadinha" como as outras. E também tinha outra com quem eu interagia. Vou chamá-la de May.

May era super tímida, ainda mais do que eu, e geralmente estava sempre sozinha. Não sei qual foi o começo da interação entre nós duas, mas aos poucos nos tornamos amigas. May não era muito de conversar e ainda sofria bullying (que antigamente não era chamado assim, lá pelo ano de 1990). Os meninos diziam que ela a guria mais feia da sala. Porém ela era uma guria normal de 9 anos, a única coisa que a tornava diferente, digamos assim, das outras pessoas da classe, eram os dentes da frente bem proeminentes. Nada de outro mundo. May também tinha um cabelo que eu queria ter pra mim (na época): liso, grande, bem fininho e castanho claro.

Continuei na mesma escola onde nos conhecemos até concluir o ensino médio (colegial). May já não estudava mais lá desde quando passei para a 5ª série, mas apesar disso mantivemos contato. Nos anos 90 os computadores e a internet ainda não eram usados dessa forma corriqueira como é hoje. Aliás, no começo dos anos 90, se existisse um PC, deveria ser muito caro. A ferramenta de contato era o telefone. Apesar de não usarmos a internet, eram bons tempos aqueles, onde era raríssimo alguém ter bina; a gente passava trote e ninguém nos descobria! Haha (mas depois se lascava tendo que explicar aos pais a conta de telefone altíssima).

Enfim... Íamos a casa uma da outra, brincávamos (sim, gente, eu ainda brincava com bonecas e tal - isso até mais ou menos aos 18 anos - podem rir, vai), jogávamos vôlei, falávamos de gatos - nossa paixão etc. Nos dávamos super bem, e eu insistia para ela voltar à "nossa" escola. Eu devo ter enchido tanto o saco que a guria voltou (ou talvez ela tivesse outras razões para sair da escola onde estava, não sei).

Era 1994, e voltamos a ser colegas de sala na 8ª série (se não me engano, hoje em dia essa série deve corresponder à 9ª). Ainda tínhamos 13 anos apenas e, de repente, o comportamento da May começou a ficar estranho para mim e para o resto da turma. Essa escola era de "elite", embora eu nunca tenha sido da high society e nem meus pais terem latifúndios, empresas... Eu só estava lá por uma bolsa de estudos que o serviço da minha mãe concedia aos filhos de funcionários. Então era um pessoal "filhinho de papai e de mamãe" típico: os meninos criados para serem "machinhos", e as meninas "mocinhas bem comportadas". Sexo era tabu, meninas que usavam fio dental eram putas, piranhas, fáceis. Ninguém usava roupas assim, imagina! Todas "virjonas" e reprimidas. Tinha que ser assim, afinal, quem queria ser mal falada? Fomos ensinadas a agir dessa maneira. Particularmente, acho hoje, que era muito cedo para experiências sexuais.

Mas eis que May revolucionou o colégio! Aquela guria de apenas 13 anos já queria "algo a mais" com os meninos e não escondia suas vontades. Colocava chocolate entre os seios para os guris enfiarem a mão e pegar, se aventurava em terrenos baldios com eles, fazia sexo oral, ficava nua com eles namorando... Coisas que, algumas, fiquei sabendo por terceiros. Então a galera ficou espantada, e os meninos, apesar de aproveitarem bem o corpo da May, eram os primeiros a sair falando mal dela. As meninas ficaram horrorizadas, e muitas pessoas ali me perguntavam se eu já sabia que ela era "desse jeito"; um idiota até me perguntou "se eu também fazia as mesmas coisas que ela". Fiquei indignada!

E aí comecei a me afastar da May. Um misto de estranheza - pois eu não havia conhecido esse lado sexualizado dela até então - medo de que falassem mal de mim, me xingassem de vagabunda (e daí pra baixo), me isolassem do resto da turma (como fizeram com ela) e, principalmente, porque eu não sabia como lidar com a situação.
Eu, uma guria tímida que nem contei pra minha mãe quando menstruei e nem conversava sobre meninos e beijos com minhas colegas, de repente ter de lidar com sexualidade (só fui beijar no dia anterior ao meu aniversário de 18 anos - podem rir outra vez!). Tive uma educação cheia de tabus, nessa escola também as pessoas tinham um comportamento parecido com o meu, que nossos pais nos repassaram. Contei sobre o que estava acontecendo pra minha mãe e ela mandou eu me afastar da May.

E me afastei. Não faço ideia se ela ligou muito pra isso, pois estava entretida com os meninos. Mas sei que, quando reparei, a escola inteira a demonizava. E May ficou cada vez mais isolada de todos (pelo menos em público, com os meninos eu não sei, fora da escola). Se ela fez todo o primeiro semestre daquele ano lá naquela escola, foi muito.

Aos poucos todos voltaram ao "normal" e May foi esquecida - ou ninguém se atrevia a mencioná-la. Mas eu jamais pude esquecer. Quando ela saiu da escola, confesso que senti um certo alívio por aquela situação toda ter acabado. Era muita pressão, o bullying era forte. Me sentia mal ao ver as pessoas falando mal dela, xingando. E me sentia muito mal comigo mesma, pois como não soube lidar com tudo isso, não a apoiei, deixei de ser sua amiga quando ela mais precisou.

Certa vez, ao sair da escola, passei de carro em frente a outra, que ficava ali na rua de trás. May havia se mudado para lá (percebi pelo uniforme), e me olhou com um olhar de ódio que nunca poderei esquecer. Nunca mais nos falamos. Fiquei anos refletindo sobre o comportamento do povo, no comportamento dela e no meu comportamento. Sabem quando a gente acha que não fez o que deveria ter feito? Pois é. Com o passar dos anos, ficou claro pra mim que eu deveria estender a mão à May naquelas horas difíceis e não me importar com o que iriam pensar de mim.

Mas eu era somente uma guria de 13 anos que não sabia nada da vida. Depois eu fui entender que o que a May fazia ou deixava de fazer era problema dela, assunto íntimo dela. Que ninguém é melhor ou pior por ser ou não casto. Que o machismo me fez jogar no lixo a amizade de alguém ser ter consciência disso.



May, me desculpe por não ter sido a amiga que você esperava ter: para ajudá-la e apoiá-la nos momentos, talvez mais difíceis, pelos quais passou em sua adolescência; por ter me afastado quando todos lhe viraram as costas.

3 comentários:

  1. Puuuxa... não se martirize tanto, gata.
    Como vc mesma disse, era só uma garota de 13 anos, uma criança. E vc mudou, melhorou, se tornou uma mulher forte e que defende as "irmãs".

    Ainda assim, gostei de saber da sua estória.

    Beijocas. Boa semana.

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  2. É, mesmo sendo nova e imatura, a gente sente nossa consciência! Enfim, eu precisava mesmo desse "exorcismo", porque trago (ou trazia, não sei) muita culpa em relação a esse episódio. E isso não nos faz bem. O negócio é que nada muda o passado, mas precisamos nos perdoar também! E seguir tentando não cometer os mesmos erros e abrir os olhos das pessoas para não caírem no remorso mais tarde.

    :)

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  3. Oi, Docinho!

    Li teu comentário no meu post de desabafo e queria responder algumas coisinhas. Eu tirei o feed completo do blog, mas já voltei com ele pq algumas leitoras alegaram que liam o blog no trabalho, onde tudo era bloqueado, etc. Fiquei com dó e voltei atrás. Quanto aos comentários, eu ainda estou respondendo, mas estou umas 5 páginas atrasada. kkkkkk Com o casamento e o tempo que fiquei sem internet em casa, acabei postando me enrolando toda. Eu não estava postando, mas a Helô fez posts quase diários, então o treco apertou. Sem falar que nem sempre eu consigo responder aqui no trabalho, que ficou bastante puxado esse ano.
    As críticas não me abalam (sobretudo às suas que são super perspicazes). O problema é quando são críticas descabidas, como as das fotos. =/
    Agradeço todos os toques e ajuda, pq tudo isso me faz melhorar, claro.

    Fiquei triste pq não nos encontramos quando vc veio aqui no quadradinho, mas realmente estava bem atolada de compromissos. Da próxima vez não haverá desculpas, hein? É pra me avisar com antecedência! ^^

    Beijocas.

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